“Vítimas carregam traumas até hoje”, relata defesa em julgamento de judeus atacados em Porto Alegre

Publicado em: 28 de março de 2023

O início julgamento de três réus, nesta terça-feira, dos acusados de atacar um grupo de jovens judeus em maio de 2005, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi marcado pela presença da filha de Hélio Neumann Druck Sant’Anna, mentor e redator da Lei Antirracismo no Brasil. Criada em 1989 e sancionada em 1990, a lei nº 8.081 regulamentou o crime de racismo previsto na Constituição de 1988, definindo racismo como atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.

Helena Sant’Anna é advogada das vítimas e assistente da acusação. “A expectativa é que haja um juízo de condenação. É um crime bárbaro. Há prova de materialidade suficiente para a condenação. Se a gente cria uma pirâmide dos crimes de ódio, nós estamos tratando do topo da pirâmide, que é a intolerância à coexistência. Acima disso, eu só enxergo os genocídios e a soma de outros crimes”, declarou antes do começo do júri. “A prova da materialidade é bem forte neste processo”, garantiu.

“São 18 anos de processo. Infelizmente, nós estamos diante de um crime absolutamente atual, cuja motivação é de intolerância e isso deve ser reprimido pela sociedade”, afirmou. “Os crimes de ódio são cada vez maiores”, frisou.

Helena Sant’Anna observou que as vítimas carregam o trauma desde então, sendo que duas delas nem residem mais em Porto Alegre. “Elas sentem as repercussões na vida privada até hoje. É impossível dissociar suas vidas de um fato como esse. É um fato marcante e negativo”, disse.

O diretor jurídico da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (FIRS), Daniel Baril, também compareceu no plenário de grandes júris, localizado no 2º andar do Foro Central I, na Capital. “É uma pena que nós temos que estar hoje presente aqui. É um crime de ódio. Acho que o mundo já podia ter superado esse tapa, respeitar um pouco mais as minorias, olhar um pouco mais para o outro”, declarou. “A FIRS cumpre o seu papel e está aqui representada na esperança de que faça justiça, que a gente possa não ter mais que enfrentar as situações como essa”, ressaltou.

“É uma pena que no século 21, depois do que se passou principalmente no século 20 em relação ao Holocausto e outros crimes hediondos, a gente tem que estar enfrentando isso na nossa sociedade no Rio Grande do Sul”, observou Daniel Baril. “Espero que a gente possa então encontrar um bom julgamento e que se faça justiça em relação a todo esse episódio triste que nós infelizmente temos que enfrentar”, emendou. “A gente espera que possa ver um julgamento justo e um resultado adequado de punição”, assinalou, destacando inclusive o aspecto pedagógico para a sociedade. “O mais importante é deixar de alguma forma uma lição na sociedade”, resumiu.

A sessão está sendo presidida pela Juíza de Direito Lourdes Helena Pacheco da Silva, titular do 2º Juizado da 2ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. Serão ouvidas nove testemunhas, sendo cinco arroladas pela assistência à acusação e quatro pelas defesas, além das três vítimas, sendo duas por videoconferência e mais o interrogatório dos três réus.

O trio é acusado de três tentativas de homicídio qualificado (motivo torpe, meio cruel, recurso que dificultou a defesa dos ofendidos), associação criminosa e crime de discriminação ou preconceito racial. “O Ministério Público do Rio Grande do Sul afirma que o trio exercia função de liderança no grupo e que pretende comprovar isso no júri”, adiantou a promotora de Justiça Lúcia Helena de Lima Callegari, que atua junto com o Promotor de Justiça Luiz Eduardo Azevedo.

Defensor de um dos réus, o advogado Manoel Pedro Silveira Castanheira pretende “fazer justiça” e comprovar “a integral ausência de participação do seu cliente”. Ele lembrou que seu cliente “não estava presente e isso foi comprovado desde o inquérito policial”, pois estava em outro local.

Por sua vez, encarregado da defesa de outro réu, o advogado José Paulo Schneider manifestou a expectativa de “um bom julgamento e que transcorra na normalidade”. Ele adiantou que “nossa linha de defesa é a mesma desde o primeiro dia deste processo: a negativa de autoria do réu porque ele não estava na data e no horário dos fatos nesse bárbaro crime”. Já o advogado do terceiro réu não quis falar com a imprensa.

Segundo a acusação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, os três jovens judeus caminhavam na esquina das ruas Lima e Silva e República, bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, na madrugada do dia 8 de maio de 2005. Eles foram atacados por um grupo de skinheads, de ideologia neonazista.

As vítimas usavam quipá, que é um pequeno chapéu em forma de circunferência, usado pelos judeus. O grupo de agressores estava dentro de um bar e avistaram os rapazes em frente ao estabelecimento. Uma das vítimas foi golpeada com arma branca, socos e pontapés. O crime só não se consumou devido à intervenção de terceiros que estavam no local, bem como com pronto atendimento médico.

A segunda vítima também foi atacada pelo grupo mediante golpes de arma branca, mas conseguiu escapar e buscar abrigo dentro do bar. Por último, o terceiro jovem foi igualmente agredido, mas também conseguiu fugir para o interior de um estabelecimento.

Entre os dez skinheads pronunciados no caso, sete foram julgados e condenados. Um deles, um menor de idade, já cumpriu medida socioeducativa. O único adulto que foi preso até o momento já está solto, usando tornozeleira eletrônica.

Escrito por: Correio do Povo

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