ESPECIAL FONTOURA XAVIER: 12 mil anos de história da região

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O município de Fontoura Xavier possui um vasto histórico ainda não desbravado. As pesquisas cientificas no campo da arqueologia, realizadas no município sinalizam grande potencial histórico e arqueológico, abrigando sítios datados em mais de 2000 anos A.P.

O Historiador Armando Graff, graduado em História pela Universidade de Passo Fundo, tem buscado fazer estudos no campo da arqueologia em Fontoura Xavier, que de acordo com ele, já foram encontrados vestígios.

Fontoura Xavier está localizado na porção centro-norte do estado do Rio Grande do Sul, situado na região de encontro entre o planalto e a serra, seus limites territoriais são delimitados principalmente pelas margens dos Rios Fão e Forqueta, estes dois fazendo parte da bacia hidrográfica do Taquari.

As pesquisas cientificas no campo da arqueologia, realizadas no município sinalizam grande potencial histórico e arqueológico, abrigando sítios datados em mais de 2000 anos A.P., Embora a área apresente indicativos significativos para pesquisa, poucos sítios foram catalogados formalmente no IPHAN (instituto do patrimônio histórico e artístico nacional).

Os vestígios de ocupação humana mais antigos datados no Rio Grande do Sul são de aproximadamente 12.000 A. P. Sendo assim os primeiros habitantes humanos desta região chegaram aqui ainda no final do período pleistoceno, ou seja, no fim da era glacial. Esses imigrantes se introduziram neste território pela região sudoeste do atual estado sulino, chegando a conviver com os animais da chamada megafauna, enfrentando também condições climáticas totalmente hostis.

A cerca de 6.000 A. P. ainda no iniciar do período holoceno, chegam vindos do litoral norte do estado os grupos conhecidos hoje como caçadores, pescadores e coletores. Esses grupos viviam basicamente de alimentos providos pelo mar, são bem conhecidos hoje pela construção de montes de conchas denominados de sambaquis.

Por volta de 2.000 A. P. chegam ao estado, vindos da região amazônica, os grupos de origem tupi-guarani, estes adentram pela região mais a noroeste do estado. Possuidores de conhecimentos agrícolas estes grupos têm como uma de suas principais características o trabalho ou elaboração de recipientes de cerâmica. Outros habitantes a adentrarem no território neste mesmo período foram os do tronco linguístico dos proto-jê, também possuindo conhecimentos agrícolas e da elaboração de recipientes de cerâmica, ambos grupos são conhecidos hoje como os horticultores ceramistas.

Cada um desses grupos desenvolveu tecnologias diferentes na confecção de seus artefatos líticos, cerâmicos e no modo de moradia e economia, o que contribui para identificar os vestígios arqueológicos a qual pertencem. Essas características contribuíram para que os arqueólogos organizassem esses grupos pelas chamadas tradições arqueológicas, que servem hoje como identificação.

No período final do pleistoceno cerca de 10.000 A. P as condições climáticas predominantes no estado eram influenciadas fortemente pelas correntes frias vindas dos Andes e da Antártica, o vento frio contribuiu para que o ambiente ficasse mais seco nas áreas abertas. Já nas beiras de encostas ou vales ao abrigo do vento surgiram as matas de galerias com predominância para árvores como a araucária, denominada floresta ombrófila mista.

Com a incidência de geadas – em maior proporção comparado aos parâmetros atuais – a vegetação seria predominantemente a de aparência de savana, os arbustos baixos serviriam como abrigo e combustível para os grupos humanos. Os primeiros grupos de caçadores e coletores chegam aqui ainda convivendo com os animais da megafauna.

Dos vários animais de grande porte dessa época podemos destacar dois os tatus gigantes (gliptodonte) e as preguiças. Esses animais construíam seus abrigos em tocas subterrâneas, hoje os vestígios e restos dessas tocas são conhecidos como paleotocas, anteriormente confundidas com galerias formadas através da erosão ou atribuídas à atividade humana. Esses vestígios são encontrados por todo sul do continente americano, em Fontoura Xavier podemos encontrar em dois locais, um na região da canga quebrada e um na região do gabirova, importante destacar que não é seguro adentrar nesses locais uma vez que estão bem degradadas pela erosão.

Diversas são as teorias sobre a extinção desses animais de grande porte, os baixos índices pluviométricos e a secagem das pastagens e inclusive de que a caça realizada por humanos tenha contribuído para esse processo. Vestígios encontrados em sítios arqueológicos sugerem que estes animais foram sim predados pelo homem, assim como animais de pequeno porte.

O iniciar do período holoceno é marcada por relativas mudanças tanto na temperatura quanto nos biomas do estado. As mudanças do nível do mar afetaram diretamente as temperaturas cada vez mais altas que de forma gradual chegam aos níveis atuais; a incidência crescente de chuvas, o aumento gradual dos índices de temperatura, entre outros.

Com os grandes predadores da megafauna agora extintos e o aumento da fauna de menor porte, a alimentação desses grupos humanos sofreu também uma adaptação necessária. Grupos caçadores e coletores passaram a habitar as regiões mais a nordeste do estado, a região da serra. Essa mudança de ambiente contribui para adaptação de suas tecnologias. Grupos que habitam a região pampiana desenvolveram técnicas diferentes dos grupos que passaram a habitar a região serrana, essas diferenças possibilitam a identificação dos grupos através das chamadas tradições arqueológicas.

Sítios arqueológicos encontrados em Fontoura Xavier.

As pesquisas arqueológicas desenvolvidas no município embora ainda poucas, sinalizam um grande potencial de estudos, destaca-se as pesquisas realizadas sobre o “Marco Missioneiro” realizado pelo Lacuma (Laboratório de Cultura Material e Arqueologia) da UPF (Universidade de Passo Fundo), no qual identificou sítios ligados ao período de extração da erva-mate pelos indígenas e missioneiros, e as pesquisas realizadas pelo laboratório de arqueologia da UNIVATES (Universidade do Vale do Taquari), no qual constataram existência de vários sítios nas proximidades do rio Forqueta, em especial o sitio RS-T-128, datado de aproximadamente 2250 AP.

Sítios com construções subterrâneas

As construções subterrâneas são uma das características dos grupos do tronco linguístico jê, construídas para funcionar como abrigo durante os meses frios, certamente a casa subterrânea é uma adaptação ao frio do planalto e por isso ela é encontrada nas terras altas desde o Rio Grande do Sul até Minas Gerais. Realizadas a partir da escavação de um buraco, na maior parte dos casos circular, entretanto outras formas são conhecidas, a grande maioria com tamanhos que variam de dois metros a cinco metros, com altura média de 1,5m à 2m, ainda que casas maiores sejam encontradas, medindo até doze metros de diâmetro. O teto era apoiado por um pilar central e outros pilares menores na lateral, provavelmente coberto de galhos entrelaçados e capim recobertos por terra. A terra retirada do buraco era utilizada também no entorno para compensar as diferenças do terreno e na construção de um aterro que impedisse que a água da chuva escoasse para o interior da residência. Montículos de terra nas imediações das casas subterrâneas estão associadas ao enterramento dos mortos. Utilizada como abrigo para o frio, era necessário que fosse construída em um local com fácil acesso a recursos, geralmente construída nos abrigos naturais dos pinheiros, onde não seria atingida por ventos e chuvas fortes e próximos a pequenos córregos de água.

Sítios de material lítico

A elaboração de artefatos em pedra requer conhecimento e habilidade, desde a escolha do material à forma de trabalhar com ela. O conhecimento para produção dos artefatos tanto de pedra quanto de madeira ou ossos, provavelmente era tratado com extrema importância para esses grupos, conhecimentos passados de geração em geração recebendo melhorias e, em alguns casos, se perdendo durante o decorrer do tempo.

Artefatos produzidos com outros materiais como chifre, ossos, madeira e conchas possuem uma durabilidade menor, se decompondo com o passar dos anos, talvez por isso a imensa maioria dos artefatos encontrados hoje sejam os elaborados em pedra.

A fabricação de artefatos em pedra realizada pelos primeiros grupos de caçadores-pescadorescoletores era efetuada através da técnica do lascamento. Com essa técnica eram obtidos seixos de pedra com gumes cortantes, as lascas resultantes desse processo de lascamento também eram utilizadas, estas, recebendo pequenos retoques, resultavam em instrumentos como pontas de projéteis, facas entre outros A elaboração de artefatos em pedra requer conhecimento e habilidade, desde a escolha do material à forma de trabalhar com ela. O conhecimento para produção dos artefatos tanto de pedra quanto de madeira ou ossos, provavelmente era tratado com extrema importância para esses grupos, conhecimentos passados de geração em geração recebendo melhorias e, em alguns casos, se perdendo durante o decorrer do tempo.

Após a chegada dos europeus ao território sul-brasileiro, “iniciou-se um processo de abandono definitivo do modo de vida tradicional das populações autóctones”. No Rio Grande do Sul em um primeiro momento esse abandono é mais intenso nos grupos guaranis, considerando que uma parcela significativa da etnia passou a habitar as reduções jesuíticas; as populações Jês conseguem manter seus costumes durante um período mais amplo, até o século XIX e a chegada das novas levas de imigrantes europeus.

Entretanto, a miscigenação dos europeus com os indígenas contribui para formação de uma cultura ímpar, hábitos praticados por esses grupos, como o consumo da erva mate (ilex paraguariensis), foram incorporados aos costumes dos europeus que aqui chegaram, muito além de hábitos, o imigrante europeu adquiriu também conhecimentos, como o uso e manejo da flora e da fauna local, esses conhecimentos foram de extrema importância para que essas “colônias” prosperassem, formando o Rio Grande do Sul como conhecemos hoje.

Diversos são os artefatos líticos encontrados em nosso município, cabe destacar os evidenciados através de uma pesquisa realizada pela Univates, onde se evidenciou um sitio possuindo a datação medida por carbono de mais de 2500 A.P., e outros tantos materiais evidenciados em superfície.

Outro sítio demarcado em Fontoura é o do “Estela Missioneira”, A principal hipótese considerada foi de que esse marco seria um dos utilizados para demarcação dos ervais missioneiros, dado a análise dos “mapas históricos que apontam a existência de ervais nessa região”, entretanto o material é considerado “incomum, diferente dos marcos geralmente utilizados (que consistiam em uma cruz de pedra)”.

As marcações também foram utilizadas por grupos Jês na distribuição e demarcação dos pinhais, os Kaingang possuíam demarcações rigorosas de seus pinhais, com punições rigorosas a quem não as respeitasse.

A importância de preservar

Vale ressaltar as dificuldades enfrentadas nesse tipo de pesquisa, a degradação das áreas produzida através dos anos pelas atividades agrícolas, cujo a aradura da terra ao mesmo tempo em que evidencia artefatos que estavam em pouca profundidade, também descaracteriza a estrutura original do sítio.

Outro fator envolvendo a atividade agrícola é o soterramento de locais com vestígios arqueológicos, não foram poucos os relatos de locais onde artefatos foram evidenciados e logo soterrados, a principal contribuição para esses acontecimentos é a do mito criado para aterrorizar esses produtores rurais, de que se encontrar algum artefato arqueológico corre o risco de “perder” sua propriedade. Alegações sem embasamento algum, uma vez em que as leis nacionais garantem o direito à propriedade, sendo a destruição desses sítios um crime contra o patrimônio.

Talvez a principal das dificuldades seja a causada pela atividade dos “caçadores de tesouros”, ações levadas a cabo, principalmente, em torno das estelas. As encontradas foram quebradas por pessoas em busca de ouro em seu interior, o misticismo em torno desses artefatos renderia outros tantos trabalhos. Questões como as lendas de indivíduos que teriam encontrado panelas de ouro, logo em seguida sumido no mundo são somente mais uma das muitas escutadas.

A necessidade de atividades de educação patrimonial talvez possa conscientizar parte da população sobre a real riqueza desse patrimônio arqueológico. Além da riqueza do conhecimento científico, os vestígios desses povos milenares que habitaram a região podem ser usados como atração turística, fornecendo assim entre tantos outros benefícios, uma alternativa para atividades econômicas nesse município. Soma-se a isso, o valor das pesquisas enquanto mediadoras de conhecimentos que proporcionam relações sociais pautadas no respeito à diversidade cultural e étnica dos sujeitos que ocupam o mesmo território ao longo do tempo.

Informações fornecidas através de monografia do historiador Armando Graff.

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