Reflexões sobre educação em tempos de pandemia

Falar de educação no contexto atual é, no mínimo, arriscado, dadas as divergências que cercam o tema. A comunidade escolar, que até então era formada por três grupos distintos (pais, alunos e professores) e que, teoricamente, deveriam agir de forma síncrona na construção do fazer escolar, sofreu uma ruptura dando origem a inúmeros outros subgrupos, situação que exige profundo esforço para ser compreendida e que, por sua vez, coloca em risco o objetivo maior do fazer educativo: a construção do conhecimento.

O universo dos educandos, já heterogêneo por natureza, aumentou ainda mais sua complexidade, exigindo dos professores habilidades de interpretação e compreensão da realidade, criatividade para desenvolver propostas pedagógicas que despertem o interesse na construção da aprendizagem mesmo longe da sala de aula e que possam ser desenvolvidas por todos os educandos. Não é possível contemplar unicamente o universo virtual, pois nem todos os alunos tem acesso às ferramentas necessárias, mesmo com o discurso exaustivo dos governantes, afirmando que sim, será possível. Em contraponto, não é adequado manter-se unicamente no universo físico das atividades impressas, pois este pode limitar os horizontes daqueles alunos que, mais privilegiados, detém as condições necessárias para explorar o universo virtual, usando-as em prol da construção do próprio saber. É preciso um meio-termo, mas como chegar a esse meio-termo sem acesso à informação, que só é obtida por meio do conhecimento?

Neste complexo universo marcado pelas novas relações entre professores e alunos, acrescenta-se um terceiro elemento capaz de fazer toda a diferença, para o bem ou para o mal: a família. Esta é convocada a dar suporte aos estudantes no desenvolvimento das atividades domiciliares. Algumas – Poucas! – conseguem executar a tarefa com sucesso. A grande maioria enfrenta dificuldades que a escola, ao desenvolver atividades direcionadas aos estudantes, não consegue contemplar: São pais que somente estão em casa à noite e não tem disponibilidade de tempo para dar suporte adequado ao filho. Outros, ficam por casa, mas não tem o conhecimento suficiente para orientar. Outros ainda, não dão à educação e ao conhecimento o respeito e a valorização que estes merecem, optando simplesmente pela omissão. E tem aquele pequeno grupo que sequer busca refletir sobre o que os professores esperam com as tarefas oferecidas, acreditando que educação se faz unicamente na escola e que, se os professores não estão na instituição, certamente não estão trabalhando, não sendo, portando, merecedores de respeito. “Ganhando para ficar em casa”. Não estou inventando, eu escutei esse discurso dirigido a colegas de profissão e expresso aqui minha indignação solidária, pois posso afirmar que estamos trabalhando muito mais do que antes. Estudando muito mais do que antes. Construindo novas perspectivas sobre uma realidade que também desconhecemos.

Como se a situação descrita já não fosse suficientemente enlouquecedora, tem a questão do coronavírus, que segue a espreita, como um inimigo silencioso e altamente estrategista, capaz de ceder em algumas situações somente para poder atacar com mais força, quando não estivermos em alerta. E com ele, todas as questões voltadas ao distanciamento social, responsáveis por desencadear as mudanças descritas na atualidade e, também no universo educacional, sem planejamento e preparo prévio.

É como se nos tivessem tirado o chão. De um momento para outro, a escola precisou se readaptar, se reinventar, sem tempo para planejamento e estudo da realidade. Quando falo escola, não me refiro somente aos professores e alunos, mas ao conjunto da sociedade que forma a comunidade escolar. Hierarquicamente, pertencemos a um sistema que nos define como subordinados, determinando as ações que devem ser contempladas no cotidiano, definidas pelos gestores públicos com base na interpretação horizontal das informações. Politicamente, temos consciência que essas informações são indicadores de maioria e não contemplam as particularidades de cada realidade social. Pedagogicamente, sabemos que é a atenção às particularidades que faz o sucesso de uma proposta educativa. Profissionalmente, precisamos descobrir uma fórmula de equalizar as informações, mantendo a lucidez necessária à condução dos debates, cientes de que o fazer presente definirá o saber futuro.

Há quem diga que 2020 é um ano para ser esquecido: logo mais, um novo ano virá e, junto com ele, teremos a vacina para o coronavírus, nos devolvendo à realidade. Não acredite nisso: 2020 é um ano que veio para ficar, colocando em prova nossas habilidades de sobrevivência biológica, política e social. De nossas decisões presentes depende o futuro de todos e a escola continua, cada vez mais, a fazer parte deste processo. A comunidade escolar não pode errar. A sociedade não pode errar. O erro, nesse modelo, é privilégio dos fracos e, se chegamos lúcidos até aqui, é porque somos fortes.

 

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