E AÍ? QUEM SÃO OS CULPADOS?

O ensino fundamental, gratuito e obrigatório, garantiu a milhares de brasileiros a oportunidade de frequentar os bancos escolares. Antes de instituir-se a obrigatoriedade legal, era frequente jovens provenientes de classes menos favorecidas abandonarem a escola e ingressarem no mercado informal de trabalho, recém saídos da infância. Quem não lembra de, ao menos, um colega que simplesmente “desistiu de estudar” para trabalhar? Obviamente, muitos motivos levavam a isso e a consequência primeira de tal atitude, com raras exceções, era o destino desses jovens ao subemprego e ao trabalho braçal.

Porém, estar na escola não garante a aprendizagem. Prova disso é o elevado número de jovens não alfabetizados, que mal sabem redigir um parágrafo e quando o fazem apresentam erros gravíssimos de ortografia, ou então educandos com dificuldades de interpretação e de raciocínio lógico, enfim, um número expressivo de brasileiros que vai à escola, mas não aprende. Atitudes esta, totalmente contra a lei.

Qual a origem de tão triste situação?Como resolvê-la? Quem é o culpado, se existem culpados? Ironicamente, a culpa é sempre “do outro”. Se questionarmos a escola – professores, equipe diretiva – a culpa é da família, que não acompanha os jovens, não mostra a esses a importância da escola, do ensino, da educação.

Ao indagarem-se os alunos, a culpa é da escola, pois a mesma apresenta um ensino “chato, entediante, monótono e sem significados”. Ou dos pais, que não oferecem condições de estudar com tranquilidade.

Se questionarmos a família, a responsabilidade é dividida: ou a escola não corresponde aos interesses dos filhos, ou é a sociedade que os desvirtua. Ou estes simplesmente “Não nasceram para estudar”.

E a sociedade, por sua vez, volta-se contra a família – que não educa seus filhos, ou contra a escola – que não consegue formar os jovens. Ou ainda, contra ambas as instituições, como se família, escola e sociedade instituições complementares.

Em minha análise, existem culpados sim: Todos nós o somos: Eu. Você. A família, a escola, a sociedade.

A escola, por simplesmente repassar adiante conceitos que nem sempre interessam os estudantes, utilizando-se de metodologias retrógradas, muitas vezes questionadas pelos atuais educadores quando estes foram alunos, os quais, curiosamente, ao mudarem de papel, exigem aceitação plena do que outrora contestaram. Quem sabe uma readaptação do currículo escolar, com liberdade para orientar os estudantes de acordo com cada espaço? Ah, sim, registre-se que isso dá trabalho.

A sociedade, o sistema social, também tem sua parcela de responsabilidade, pois obriga a ficar na escola indivíduos que, muitas vezes, estão com a cabeça em problemas que exigem solução imediata e que a escola simplesmente ignora: famílias desestruturadas, miséria, fome, desnutrição, falta de segurança, falta de amor. Você se concentra em seus estudos alimentado a pão e água, ou muitas vezes nem isso? É difícil, eu sei. Pense nisso e talvez consiga compreender porque um número infinito de brasileiros prefira simplesmente trabalhar (ou outras opções menos corretas) a frequentar uma escola. Isso sem questionar as questões voltadas ao marketing, à necessidade criada de ter – e da qual muitos estudantes só tem o sonho, mas isso é assunto para outra reflexão.

E a família, o que falar da família? Um filho, uma criança, é compromisso. É possível afirmar que, se geramos um filho, devemos oferecer a ele o mínimo de dignidade, o que não significa comprar todas as porcarias existentes no mercado. Falo em dignidade no sentido etimológico da palavra. Quando Coordenadora Pedagógica, ouvi de uma mãe que, se eu me preocupava tanto com seu filho, levasse-o para casa e criasse. Pergunto-me: Onde fica o compromisso de uma família, independente do modelo desta, frente às novas gerações?

Não tem como separar culpados de inocentes, até porque, como afirmei anteriormente, escola, família e sociedade são três instituições indissociáveis e, se uma adoecer, os males serão extensivos às demais. O que temos na verdade são vítimas de um processo doente do qual fazemos parte muitas vezes sem nos darmos conta, segundo o qual crianças e jovens cheios de sonhos ingressam e permanecem na escola de acordo com a lei, terminam o ensino fundamental de acordo com a lei, mas que inocentemente infringem a mesma lei por não conseguirem atingir “O desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo”, esperados para a etapa de ensino em questão. Infratores inocentes, por mais estranha que pareça tal definição.

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